Ao fazer da moda sua vida e ofício, o João Braga pesquisador, mestre e autor permite-se alguns momentos poéticos durante os quais percorre o território da criação.

Por Eleni Kronka

Professor e pesquisador, João Braga lança olhar apurado e poético também no campo da criação. Foto: Lívia Gabbai/Divulgação

Como historiador e mestre, João Braga vai e vem com desenvoltura pelo arco do tempo no campo da moda. Sem medo de errar, até porque são décadas dedicadas à pesquisa profunda, a viagens de estudo e ao garimpo de fatos e reminiscências sobre o tema, o nosso personagem dedicou tempo e muito conhecimento para traduzir em peças vestíveis aquilo que a moda construiu no seu interior: sentimentos, autoconhecimento e a condição ser versado na matéria, o que o tornou, não é de hoje, uma referência neste campo em nosso país.

Livros publicados, exposições organizadas, muitos cursos ministrados são apenas alguns de seus feitos. Agora chegou a vez de trazer a público peças que foram criadas ao longo de quatro décadas (!) para dar origem à exposição C.a.m.i.s.a.s, aberta até 27 de setembro, no saguão da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. Ali na instituição, onde há vários anos se dedica à docência, João Braga expõe quase uma centena de criações.

Todas e cada uma das admiráveis camisas foram feitas seguindo o gosto e as medidas do idealizador. São peças únicas. Mais um motivo pra dizer que peças vestíveis são suporte num processo criativo “de raiz”, que ultrapassa tendências, correntes e, claro, os modismos. O processo criativo do pesquisador segue seu curso próprio, passando longe, muito longe, do disseminado fast fashion.

Patchwork renova o clássico
Fotos: Lívia Gabbai/Divulgação

Percurso

A mostra tem o layout (expografia) do artista Sérgio Gregório, que trabalhou lado a lado com o autor também na curadoria das peças.

A tarefa exigiu muita expertise, já que partiram de um “oceano” de nada menos que 600 camisas em todos estes anos, que chegam intactas à exposição, mostrando que a qualidade resulta tanto da conservação quanto do olhar criativo do autor.

Gregório, detalhista, preciosista, conta que a montagem da exposição segue a lógica de um “carretel de linha” que vai sendo “desenrolado”: “O visitante vai percorrendo este caminho num movimento em espiral”. E desta forma, percorre também estilos e fases da criação.

O fundo do saguão remete a um imenso patchwork, já que este é um dos recursos recorrentes no desenvolvimento dos modelos.

Neste espaço, veem-se as peças, as diferentes técnicas de acabamento, bem como referências para as criações – livros, desenhos, esboços, fragmentos. Tudo isto unido forma um dos mais belos conjuntos da criação.

Em bordados ou pregas, cores fazem a diferença
Fotos: Lívia Gabbai/Divulgação

Criações

Bordado colorido sobre estampa sóbria. Foto: Moda é Notícia

.

A modelagem, mais básica, impossível: manga curta, manga longa; colarinho, abotoamento simples. São as interferências de João Braga que fazem toda a diferença.

Por meio de bordados, feitos com os pontos mais diversos, as camisas ganham um novo traçado, evoluem em termos de estilo. Aí aparecem motivos florais e geométricos, figurativos e abstratos. Há simetria em tudo, ainda que a escolha das cores possa parecer aleatória.

A série dos bordados se enriquece com a aplicação de pequenas contas tão discretas que são quase imperceptíveis. Ou ganha ares despojados com a combinação de patches (pequenos retalhos) fixados por ponto corrente.

O preciosismo fica por conta do jogo entre floral e geometria elaborado a partir do ponto cheio e do ponto cruz, em cores ora vivas, ora esmaecidas, num contraponto com o preto.

João Braga recorre aos recortes e às pregas, estabelecendo com as cores uma harmonia visual quase matemática. A estamparia remete às tonalidade vivas e às formas mais diversas, divertidas e clássicas, compondo com tecidos lisos neutros ou contrastantes.

Cada camisa leva a etiqueta com o nome do criador: João Braga, bordada, quase manuscrita, pregada à mão, artesanalmente, mostrando que estamos diante de uma criação genuinamente autoral.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *