Evento que ocorre paralelamente à Semana de Moda italiana tem vida própria e está reunindo novos talentos em Milão, entre eles nomes do Brasil, graças à caçadora de talentos brasileira Giuliana Bortolato.

A edição de setembro de 2021 foi comemorativa, para marcar os primeiros cinco anos do Emerging Talents Milan. Primeiros cinco anos porque a equipe que comanda a investida, digamos, não veio pra brincar: fincar o pé no território italiano – milanês! –, sendo estrangeiros todos os dirigentes, é tarefa para os fortes. Tariel Bisharyan, CEO e idealizador, é armênio. Russ Evseev, por sua vez, leva a origem no próprio nome; nascido na Rússia, vive na Itália há vários anos. A terceira e integrante da equipe é a brasileira Giuliana Bortolato, paulistana radicada há 22 anos em solo italiano. “Faço parte do evento há três anos, encantada pelo trabalho, apaixonada pela moda”, revela a executiva, que tem importante background na área de vendas e representação de marcas, no Brasil e outros países latino-americanos.

A executiva falou com exclusividade ao Moda é Notícia, livre para revelar planos, para apontar desafios enfrentados por estrangeiros no exterior e para opinar sobre aspectos positivos das marcas brasileiras, bem como pinçar aqueles que ainda precisam ser melhorados. “O Brasil tem criatividade, talento e mão-de-obra de monte, e isso encanta o olhar do comprador estrangeiro”.

A moda

Giuliana Bortolato
  • Moda é NotíciaComo surgiu o Emerging Talents?

Giuliana Bortolato – O evento acaba de completar cinco anos. Sua origem tem a ver com a ousadia e o talento visionário do seu idealizador, o CEO Tariel Bisharyan, e do diretor criativo Russ Evseev, que se propuseram a trazer de volta a alta moda para a Itália. No começo, Tariel foi chamado de louco, mas não desistiu. Ao contrário, insistiu na linha de trabalho com talentos e marcas que emergem no cenário da moda e que podem conquistar espaço no mercado mundial.

MNQuando o interesse pela moda produzida no Brasil se consolidou?

GB – A percepção que tenho é que, partir dos anos 2000, a moda se beneficiou com a projeção do Brasil no cenário político-econômico internacional. Nesse mesmo momento, as marcas brasileiras diminuíram as exportações para atender ao crescimento do mercado local. Acho que foi então que realmente despontou a criatividade, a essência da criação brasileira, com bordados e as mais diversas expressões de manualidades.

  • MNHá um amadurecimento na criação?

GB – As marcas passaram a refletir sobre o trabalho que realizam e foram encontrando caminhos próprios. A moda brasileira ficou, então, mais interessante, principalmente para o olhar europeu, para quem o trabalho focado em manualidades tem muito valor. Marcas brasileiras com essa característica ganham expressividade, como Aluf e a Renata Buzzo, que já fazem coisas bonitas e atraentes para o mercado internacional.

A moda brasileira, focada em manualidades, tornou-se mais interessante diante do olhar europeu

MNEste cenário contribuiu para o seu trabalho?

GB – Foi muito importante! Eu tinha que levar as marcas brasileiras para o território europeu e o projeto tinha que funcionar. Comecei a trabalhar num show room em Milão e levei marcas como Fabiana Milazzo e Água de Coco. Todas bem posicionadas no mercado nacional, mas eu encontrava resistência entre os europeus… Nomes importantes no contexto brasileiro, mas não conhecidos na Europa, porque faltava a comunicação.

MNQual foi a fórmula pra fazer o negócio funcionar?

GB – Independentemente da origem, a marca precisa ter um posicionamento alto e bem definido. É quase uma exigência do comprador local. Estas marcas brasileiras tinham este perfil e precisavam mostrá-lo ao lojista daqui, por meio de uma boa comunicação, aparecendo na revista, ou vestindo a celebridade certa, por exemplo. A marca precisa de um influencer adequado que “converse” com o público para o qual ela se direciona. Era o que faltava para as marcas brasileiras aqui.

MNO que fazer para dar este salto?

GB – Uma nova etapa começou quando conheci o pessoal do Emerging Talents. Entrei no projeto há três anos, tendo em mente que era a primeira vez que nomes brasileiros se apresentariam em Milão num evento desse nível. Convidei marcas conceituais para integrar o line-up, para iniciarem esse histórico aqui. Eram nomes conhecidos no Brasil. OK! Mas tinham que despontar na Europa também.

MNOnde entra o planejamento da comunicação para estas marcas?

GB – Uma marca, sem a comunicação, não vende! Trata-se de ir dando os mesmos passos que os grandes dão na comunicação durante a Semana da Moda de Milão, que está logo atrás das semanas de Paris e de Nova York. O público, tanto o lojista como o consumidor final, conhece uma marca pela sua comunicação, por desfiles e feiras, pela mídia e as redes sociais. Pelo menos 60% do seu êxito atribui-se à comunicação que ela faz. Era por aí mesmo! Tínhamos fazer com que esses nomes brasileiros acontecessem aqui.

MNQual o alcance dos resultados?

GB – Embarquei nessa história e, com o formato que o Emerging Talents Milan adota, acredito no posicionamento de uma marca aqui. O maior feedback alcançado, aliás, se dá no próprio Brasil: a marca deixa de ser nacional, sem perder suas características, pra ganhar status no mercado internacional.

MNComo é feita a seleção para participar do Emerging Talents?

GB – Trabalhamos com estilistas que estão emergindo no mercado. A marca já tem que ter uma estrutura, uma história no seu país de origem, pra poder se apresentar e dar andamento ao processo de comercialização. Marcas muito novas costumam ser muito inexperientes para enfrentar o que vem pela frente… Apostamos nas que já têm uma estrutura pra dar continuidade.

MNO processo de conquista de clientela é imediato?

GB – Não adiantaria uma marca vir apenas uma vez para conquistar o mercado internacional. O processo pede continuidade. Coisa diferente é se o designer quiser marcar um posicionamento em seu próprio país de origem, ter um feedback na sua volta… Ok, valeu essa única apresentação. Mas se ele quer fincar o pé no mercado internacional, tem que estar presente em anos seguintes também. Assim a marca “nasce” e evolui, um dia numa revista europeia, outro dia inicia o trabalho com um escritório de marketing… E assim começa a se comunicar com o seu público. É por meio da comunicação que abrirá espaço, consolidando o seu posicionamento.

MNO Emerging Talents é uma plataforma de comunicação e negócios?

GB – As marcas que vêm para o nosso projeto têm um diferencial de criação, gestão e comunicação. Têm uma visão diferente de uma marca que participa de outros eventos e feiras. Em geral, essa outra marca está menos preocupada em saber quem é o lojista que vai até ela ou o que ele vende na loja, etc. As marcas que vêm para cá, no Emerging Talents, têm olhar mais detalhista; temos um filtro de compradores, o que faz pra elas toda a diferença. Cada cadeira gera um cálculo: quanto me trará em negócio. Se não traz negócio, na boa, não entra. Nossas marcas não entrarão no mercado para pulverizar o que produzem. Podem ter certeza de que o cliente foi escolhido a dedo; saberão quem é o concorrente delas no mercado internacional e quais as referências que têm ali. Givenchy, Louis Vuiton, Prada, Martin Margiela compõem o mix dos lojistas compradores? Quais marcas estarão ao lado dela na butique? Nosso tipo de abordagem é muito diferente.

  • MNHá exemplos concretos?

GB – A marca mineira Honória participou dos desfiles do Emerging Talents, tendo antes integrado o rol de expositores do Minas Trend, em Belo Horizonte. A partir da apresentação em Milão, a marca abriu loja na Oscar Freire, e aumentou vendas para as melhores butiques do Brasil. Assim, já não restringe mais as vendas ao mercado mineiro: ela ganhou o Brasil. Honória é outra marca que encontrou o objetivo. O foco dela não é vender para o mercado internacional, mas dar um up na imagem, na comunicação. Renda Arraes e Brisa são exemplos de marcas que se apresentaram abrindo espaço no mercado externo, ao mesmo tempo que mantêm boa performance no Brasil. Vitor Zerbinato, por sua vez, veio com a moda de ateliê, desfilando peças de alta qualidade e participando do salão de negócios.

Ao lado, criação de Vitor Zerbinato, apresentada em setembro, no Emerging Talents Milan

MNEvento e marcas participantes contam com o suporte de patrocinadores?

GB – Certamente trabalhamos com patrocinadores, o que nos permite oferecer tudo às marcas: luz, música, foto, vídeo, o nosso staff fica à disposição, além da própria locação, o magnífico Palácio Visconti. Batalhei muito e consegui, em 2020, o suporte da Apex Brasil para os criadores brasileiros. Vitor Zerbinato veio com o apoio da Abit nesta edição, que também teve a participação da Nay Sunset Wear e da Sy&Vie. Os participantes saem com um material riquíssimo e de alta qualidade para trabalhar a divulgação da coleção.

MNO fato de o evento realizar-se simultaneamente à Semana de Moda de Milão traz benefícios ou desperta competição?

GB – Todos nós, do board e do staff do Emerging Talents, estamos dando o nosso sangue pra oferecer o melhor e temos a Câmara da Moda Italiana na nossa cola… Somos estrangeiros no território da moda italiana. Se o italiano trabalha oito horas, nós temos que trabalhar 18 pra que tudo dê certo! Aqui não se pode errar, nunca! Se erramos, estamos fora. Recentemente, tivemos a presença do empresário Mario Boselli, que por muito tempo foi presidente da Câmara. Ele nos disse: “Sintam-se lisonjeados, porque vocês estão incomodando”…

MNComo foi trabalhar durante a pandemia?

GB – Nesse momento difícil para o mundo, não deixamos de trabalhar. Nosso CEO não permitiu, nem mesmo neste período, que o evento fosse virtual. A moda tem que ser vista, tocada de perto. Se o lojista assistir tudo de longe e não manusear a roupa, comprará só a metade do que compraria se estivesse presencialmente. É a emoção da compra! Reduzimos, então, o número de visitantes, de 380 para até 50 compradores. Agora estamos retomando os patamares anteriores.

No comando do Emerging Talents Milan: Tariel Bisharyan (esq.), Russ Evseev (dir.) e Giuliana Bortolato.

MNO fato de agregar o termo “Milan” ao final de Emerging Talents significa a expansão do evento futuramente?

GB – As edições de fevereiro e setembro em Milão estão consolidadas. E nos propusemos a uma nova dinâmica para o calendário, que inclui eventos de negócios em St. Petersburgh, na Rússia, e Forte dei Marmi, na própria Itália. As marcas seguirão conosco por este itinerário. As datas ainda estão em aberto, tudo dependendo das condições sanitárias que ainda vivemos. Se houver condições de evento presencial, lá estaremos.

MNQual o recado para as marcas brasileiras?

GB – Têm que investir na essência e não sair dela. Fiquei assustada com aqueles que não têm um DNA, que não consolidam uma imagem e mudam a cada estação. Definido o DNA, é preciso acreditar no que se faz e se apresenta, indo, sim, num movimento de constante melhora. Isto fideliza a clientela conquistada. Eu não trago uma marca insegura. Faço entrevistas, quero saber o que vai apresentar, qual o propósito, o conceito, objetivos, gestão, tudo! Faço 300 mil perguntas! Se não, tudo se torna uma perda de tempo, pra marca, para o evento, pra todo o mundo. O Emerging Talents não vende espaço, vende um conceito. Assim criamos uma clientela, que vai crescendo junto com a gente.

Giuliana Bortolato (centro) no backstage da marca brasileira Nai Sunset Wear, participante em 2021

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