A indústria paulista pode crescer em seus diversos segmentos, empreender, a médio e curto prazo, a retomada de produção e geração de empregos pós-pandemia. Além disso, o Brasil tem potencial para capitanear mudanças, em gestão e tecnologia, em nível mundial. Em síntese, são estas as apostas do presidente do Ciesp Rafael Cervone Netto, em entrevista exclusiva para o Moda é Notícia, realizada em seu gabinete, na sede da entidade.

Eleito presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), em mandato iniciado em janeiro de 2022 até dezembro de 2025, o industrial Rafael Cervone Netto traça um amplo panorama da indústria paulista, ao mesmo tempo em que vislumbra oportunidades para o Brasil.

Como principal executivo da entidade que age em total sintonia com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Cervone apresenta metas claras de ações visando à alta performance tecnológica, ancorada em pesquisas e projetos, com investimento forte na capacitação de todos os que nela atuam – de empresários e trabalhadores até jovens estudantes de cursos técnicos, garantindo expertise de mão de obra para o futuro da produção nacional, tendo em vista oportunidades planetárias.

Propostas bem delineadas têm por base centenas estudos que a própria entidade realiza sobre a indústria e o mercado. Como resultado das análises, Fiesp e Ciesp lançam o Estudo de Macrotendências Mundiais até 2040, verificando impactos que podem surgir a partir de mudanças nos campos da saúde, dos alimentos, da energia, da infraestrutura, da urbanização, consumo, trabalho, segurança e até do entretenimento.

“Novas indústrias aparecem, novos empregos, novos tipos de indústria. Estamos no auge da manufatura avançada e da indústria 4.0. Uma das discussões é quais serão as vocações da capital e dos distritos”, observa o presidente do Ciesp, ressaltando a importância da indústria tanto da capital quanto do interior.

Cervone fala com desenvoltura sobre a indústria das diferentes regiões do Estado e também da Capital e Grande São Paulo. Fala da atividade industrial como um todo, e daquela focada no têxtil, que é, aliás, a sua origem.

Neto do imigrante italiano Rafael Cervone, que desembarcou no Brasil com a esposa nos anos 1920, o atual presidente do Ciesp foi por duas gestões presidente do Sinditêxtil SP. Na direção da Cermatex, empresa localizada no município paulista de Santa Bárbara D´Oeste, Cervone Netto vê o têxtil em perspectiva.

Moda é Notícia – Atuando no têxtil por muito tempo, exercendo inclusive cargos diretivos em entidades importantes para o setor, no Ciesp você lida com a indústria como um todo. Quais são os temas relevantes dentro da atual agenda da entidade?

Rafael Cervone Netto – Descarbonização é um macro tema que estamos discutindo em profundidade. A começar pela indústria automobilística. Estamos em diálogo com todas, começando pela Anfavea, além das conversas com governos, daqui e de fora. As opiniões estão divididas. Da Nissan, Volkswagen e da Great Wall, megaempresa chinesa que está vindo para o Brasil, ouvimos que eles querem caminhar para a célula de hidrogênio, seja biocombustível ou qualquer outra nova fonte em desenvolvimento. A Toyota sabe que entre a eletrificação e a célula de combustível, há um gap que a leva a optar pelo híbrido, para descobrir lá na frente o que acontecerá de concreto. Lá fora, os altos subsídios governamentais fazem as grandes optarem pelo modelo elétrico. O Brasil pode liderar com uma tecnologia própria, que surja como solução para outros mercados. Podemos ter uma tecnologia de célula de hidrogênio, a etanol ou a biocombustível, e o Brasil poderá exportá-la para o mundo.

M. N. – A sustentabilidade tem sido tema de discussões e, principalmente, para planos e projetos de investimento na indústria e a na produção.

R.C.N. – A indústria tem que ser muito proativa e ousada neste campo, embora já venha trabalhando em prol da eficiência energética, da redução de carbono e do uso de água. É um tema que temos que sintonizar com otimização das cidades, tendo em vista projetos para cidades inteligentes e sustentáveis. Foi a conversa que tivemos em março como preparação para a Rio +30, que ocorrerá em outubro próximo. Estamos conversando com os governos do Paraguai, da Argentina, do Uruguai, do México. Todos concordam que é melhor discutir conjuntamente, para soluções comuns que contemplem a América Latina como um todo.

M.N. – Qual a avaliação sobre o impacto da pandemia?

R.C.N. – A geopolítica mudou drasticamente sob o efeito da crise sanitária mundial. A pandemia quebrou cadeias de fornecimento de insumos para a indústria e aumentou exponencialmente os preços dos contêineres por conta das novas rotas de entregas mais lucrativas. O preço do contêiner saltou de 400 para 15 mil dólares. Depois baixou para 1,5 mil. Tudo isso fez mudar a percepção da indústria como um todo. A sustentabilidade é outro tema crucial para a indústria, para os negócios, para tudo. Já era tema em todas as pautas; agora tornou-se tópico incontornável. Josué (Josué Christiano Gomes da Silva, presidente da Fiesp) e eu recebemos aqui na sede mais de 20 embaixadores e cônsules nos últimos 40 dias. Tivemos a visita da Arábia Saudita, da Bélgica, do Reino Unido e EUA (foram três visitas em março), além de países da União Europeia (Itália, França, Alemanha). O tema número um, de longe, é a sustentabilidade.

M.N. – Os processos estão sendo repensados tendo em vista as exigências e o atual panorama de negócios?

R.C.N. – A pandemia acelerou uma evolução que já estava em curso. Com a indústria 4.0 e a entrada em vigor do 5G, temos que pensar em termos de near shore, isto é: a entrega terá que ser muito rápida, obrigando que a planta de produção esteja próxima do elo seguinte da cadeia e do consumidor final. Já estamos mudando para isto. A fábrica do Senai-Cetiqt, no Rio, é capaz de entregar em 15 minutos por drone, quase sem intervenção humana. Aqui em São Paulo também temos uma fábrica modelo. A regra é produzir o mais próximo possível do consumidor final, com preparo de mão de obra, novos tipos de trabalho.

M.N. – O setor têxtil tem papel de destaque neste futuro da indústria que se desenha?

R.C.N. – Há um ano presido o Senai-Cetiqt. Neste centro de pesquisa e formação, nota-se o ritmo importante dos trabalhos voltados aos têxteis de alta performance. Em fevereiro, firmamos acordo com a Suécia para a construção de uma fazenda bioceânica de 170 hectares no norte da África. O Brasil foi escolhido para liderar esta pesquisa, que produzirá um tipo de alga a partir da qual se extrairá a lignina, substância que, unida ao grafeno, dará origem a uma fibra de altíssima tecnologia. Outro destaque é o contêiner, instalado na Ilha do Fundão, dotado de aparelhos de última geração para leitura de DNA e alteração de DNA, onde se cultiva determinado tipo de marisco para extração de substância para o combate ao carcinoma. O Senai-Cetiqt é reconhecido pelos internacionalmente como especialista neste tipo de estudo e tecnologia.

M.N. – Estamos prontos para os têxteis de alta performance?

R.C.N. – Têxteis inteligentes estão presentes na nossa vida. Conversando o Fábio Coelho, CEO do Google Brasil, ele diz que o setor que mais interessa pra ele é o do têxtil e do vestuário, pois ele precisa de um produto que gere informação. De fato, não há nada que permaneça mais em contato com o corpo humano do que a roupa, ainda que usemos muito o celular… Até pra dormir, quietos, estamos sobre um têxtil, que pode nos escanear, se for um tecido inteligente. Por meio dos nossos centros de pesquisa, estamos investindo no estudo da fibra têxtil que acumule energia e dados. Sairíamos do modelo “Iron Man”, com dispositivos sobre a roupa, para o “Invisible Man”, cuja tecnologia está inserida na fibra, sem sensores à mostra. A Coteminas tem estudos sobre o lençol à base de grafeno (material à base de carbono, tido como o de espessura mais fina que há), com sensores conectados a centros médicos para monitoramento da saúde, transportando dados sobre o usuário.

M.N. – O mercado está capacitado em termos de mão de obra?

R.C.N. – A perda diária de profissionais da área de T. I. para empresas de fora – que os contratam para trabalho home office no Brasil, com salário pago em dólar – tem sido um problema real. Um dos projetos da Fiesp/Ciesp, já fechado com a Cisco, com a Amazon, Google e Microsoft, em parceria com o Senai, é capacitar 200 mil jovens na área de tecnologia da informação. O prazo é de quatro anos, mas queremos baixar para dois.   Capacitação de altíssimo nível, incluindo: armazenamento na nuvem, inteligência artificial, cyber segurança… Ao formarem-se, os participantes recebem certificado de abrangência mundial fornecido pelas empresas envolvidas no projeto. É um certificado que vale ouro no mercado. Já fizemos um piloto desta formação no Senai e 99% dos nossos alunos conseguiram esta certificação. Além disto, capacitaremos 200 formadores de professores do Senai para a continuidade. Também faremos 54 academies no estado de São Paulo, por meio da rede do Ciesp e Senai.  Temos que preencher este gap que há entre oferta e demanda.

M.N. – A formação é então uma das preocupações do momento?

R.C.N. – Temos um trabalho conjunto entre Ciesp e Fiesp para tirar o atraso provocado pela covid no campo da educação. Colocamos à disposição a estrutura do Sesi e do Senai para ajudar o poder público a reduzir este gap para já! São duas frentes de batalha: nós nos reunimos com as fundações Ayrton Senna, Roberto Marinho, Lemann, Natura e Boticário para traçar ações conjuntas. Individualmente, cada uma faz um super trabalho, mas o trabalho em rede é muito mais eficiente. A intenção é interferir positivamente em políticas de educação e na qualidade do ensino, disponibilizando a estrutura de cada fundação. Podemos transferir o know how de ensino do Sesi e destas fundações para os poderes públicos. Na gestão anterior da Fiesp, com Paulo Skaf, já foram investidos milhões na estrutura das escolas e em professores. O investimento é contínuo. Trabalhamos agora para “escalar” este resultado. No Estado de São Paulo, temos perto de 6 milhões de alunos, sendo 97 mil capacitados pelo Sesi, número que não é suficiente. Em dois anos, vamos atingir 2 milhões de alunos. O projeto é ousado. Contratamos o Secretário Geral da Fundação Roberto Marinho e ex-Secretário da Educação do RJ, Wilson Risolia. Em dois anos, ele fez a Educação do Rio ir do penúltimo para o terceiro lugar no ranking nacional. A família Marinho cedeu este colaborador, que agora é funcionário da Fiesp/Ciesp. Ele coordena com Ricardo Terra, no Senai, e com Alexandre Pflug, no Sesi, este grande projeto.

O micro não é nosso associado, mas é de extrema importância no cenário de desenvolvimento dos negócios. É brutal a quantidade de micro e pequenas empresas; no conjunto, eles fazem a diferença.

M. N. – A entidade tem propostas para atender o empresariado neste momento de extrema dificuldade nos negócios?

R.C.N – O segundo grande projeto da Fiesp/Ciesp diz respeito à indústria. Temos que tirar o atraso da produtividade e ganhar escala, com tecnologia e a jornada de digitalização que entra com o 5G. Este é o grande trabalho do Senai e da Fiesp/Ciesp que, além da atenção dada à pequena e à média empresa, agora também abarcará a microempresa. O micro não é nosso associado, mas é de extrema importância no cenário de desenvolvimento dos negócios. É brutal a quantidade de micro e pequenas empresas; no conjunto, eles fazem a diferença. Na Pesquisa Industrial Anual (PIA), temos cerca de 53 mil empresas que contribuem para a base Sesi/Senai, das quais aproximadamente 48 mil são micro e pequenas empresas. Em quatro anos, queremos capacitar empresas com este perfil.

M. N. – Fiesp e Ciesp lançarão programas voltados à gestão?

R.C.N – O Sebrae é um dos parceiros, que fará uma das capacitações dentro do leque muito amplo de atendimento que ofereceremos. Estamos aportando cerca de R$ 286 milhões neste projeto, buscando fontes de financiamento. Fiesp e Ciesp entram com pouco mais de R$ 100 milhões e o Sebrae entra com montante semelhante. Cerca de 80% deste aporte vem de recursos destas instituições. Pela primeira vez entraremos na estratégia do negócio. A proposta é ajudar o pequeno e o microempresário a pensar no longo prazo, a otimizar a produtividade e a competitividade, melhorando também o layout da produção. Fizemos um piloto em 2020/21, com bom número de empresas: a média de aumento de produtividade foi de 40%, o que é muito significativo. O piloto abarcou empresas de diferentes setores, incluindo o da moda. Ronald Masijah, falecido em 2020, proprietário da Darling, foi um dos empresários que se voluntariaram: ele dizia que, depois da remodelação do layout, os funcionários deixaram de percorrer quilômetros dentro da fábrica, com significativo ganho em produtividade também sob este aspecto.

M. N. – Quais outros aspectos ligados à sustentabilidade?

R.C.N – A Geyser, alemã, uma das maiores especialistas do mundo em eficiência energética, entra neste quesito juntamente com o Senai para melhorar a eficiência energética. Estamos inserindo outros aspectos ligados ao ESG nesta jornada de capacitação, ao lado do programa de digitalização da empresa. Faremos isto por maturidade da empresa: é uma mentoria, acompanhando a implementação no médio prazo, no primeiro e no segundo ano, para garantir o crescimento.

M.N. – O plano idealizado até o momento para a otimização da indústria contempla a parceria com o varejo?

R.C.N. – Estamos em diálogo com o varejo, brasileiro e internacional. Eu já previa no Programa TexBrasil, há dois convênios, que o varejo brasileiro se internacionalizaria, e já começou. Quando uma rede vai para fora, ela arrasta uma cadeia de fornecimento, especialmente os pequenos. É preciso sincronizar o trabalho, desde o processo criativo, passando por todas as etapas de desenvolvimento e produção. A sustentabilidade é essencial e deve ser pensada desde o início, considerando se, lá na frente, o produto será reciclado e reutilizado. É o cradle to cradle (do berço ao berço), que norteia a economia circular. Desta forma, o produto começa a se projetar lá fora a partir do varejo e do consumidor.

M.N. – Há parceiros também nesta iniciativa?

R.C.N. – Abit e Sinditêxtil estão conosco neste projeto, todos alinhados, num só esforço, por meio do programa TexBrasil, criado há 20 anos com a Apex Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) O ModaInd-SP é outro programa integrado à iniciativa. Quando a empresa entra na jornada exportadora, ela se capacita, fica mais eficiente e competitiva, nacional e internacionalmente.

M.N. – A tecnologia compõe este programa voltado ao varejo?

R.C.N. – O comércio eletrônico foi super acelerado pela pandemia. Neste sentido, estamos estudando a fundo o Metaverso como recurso importante para negócios em ambiente digital. Na prática, o Senai já está usa a tecnologia do Metaverso para capacitar operadores de máquinas e equipamentos. Surge aí a oportunidade de investimento de milhões de dólares. O Senai-Cetiqt vai mergulhar nesta tecnologia para ser o grande hub na moda. Temos que nos especializar neste assunto e analisar macrotendências. Ainda não estamos totalmente preparados.

Estamos estudando a fundo o Metaverso como recurso importante para negócios em ambiente digital.

M.N. – A tecnologia compõe este programa voltado ao varejo?

R.C.N. – O comércio eletrônico foi super acelerado pela pandemia. Neste sentido, estamos estudando a fundo o Metaverso como recurso importante para negócios em ambiente digital. Na prática, o Senai já está usa a tecnologia do Metaverso para capacitar operadores de máquinas e equipamentos. Surge aí a oportunidade de investimento de milhões de dólares. O Senai-Cetiqt vai mergulhar nesta tecnologia para ser o grande hub na moda. Temos que nos especializar neste assunto e analisar macrotendências. Ainda não estamos totalmente preparados.

M.N. – A Fiesp lançou recentemente o levantamento de Macrotendências Mundiais até 2040. Quais os elementos essenciais do estudo?

R.C.N. – As entidades têm imenso banco de dados que estão saindo da prateleira, com o uso de inteligência artificial e a ativa participação do corpo técnico. Os dados são compilados para que virem ferramentas práticas de tomada de decisão e de análise de gestão. O estudo nos mostra o impacto das megatendências: crescimento populacional, qualidade de vida, mudanças do perfil das cidades, retorno da população da cidade para o campo, alimentação, saúde, energia. Tudo isso será ferramenta para cidades inteligentes. Tenho visitado pessoalmente municípios, levando aos prefeitos e secretários os dados do relatório de Macrotendências 2040 para discussões sobre as potencialidades locais e regionais. Esta proposta está dentro do escopo da entidade, voltado às cidades inteligentes e sustentáveis.

M.N. – Qual o próximo passo do Ciesp?

R.C.N. – Trabalhamos arduamente no planejamento estratégico para a entidade neste momento. Fundado em 28 de março de 1928 pelo Conde Matarazzo, por José Ermírio de Moraes, Robert Simonsen e Jorge Street, capitães da indústria paulista em seus primórdios, o Ciesp necessita de novas soluções visando ao futuro. Vamos pensar no próprio modelo de negócios do Ciesp. Para isto escolhemos a Singularity Univerity, que no Brasil está unida à HSM. Estamos propondo uma mudança de mindset. Faremos um trabalho profundo diretamente com as empresas e associadas. Trata-se de uma mudança que mexerá com a indústria como um todo no Estado, pois a nossa velocidade de reação tem que ser instantânea. Para o resultado exponenciar, precisaremos de mindset exponencial também.

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